sexta-feira, 10 de junho de 2011

Fotografia

A fotografia só não pôde capturar seu olhar
Murcho, enviesado e cabisbaixo
Não se atreveu a fazer-se apreendido.
Mas a gola encardida do trapo que vestia
Eu pude confiscá-la para mim.
O corpo quebradiço e opaco então!

Nem sei se o vento o derrubou ali
Ou se foi a fome mal-matada de ontem.
Mas o chão parecia assim macio como a pele,
De aspereza tão simbaíba e tão estúpida
Austera como a nublagem do dia fosco nascendo.
Se vida tinha, foi outrora, há muitos invernos.

Pra saburra da língua calculo década apenas,
Porque ainda não apodreceu por inteira.
Chupado, desgraçado e até mole
Pendia um beiço banguela da gengiva,
Perto d’uns globos amortalhados e azuis.
Quem nem mais suplicar podiam de fracos.

Exalava morrinha de noites inteiras
E só quando a mancha tocou-lhe nas ancas
Percebeu o cobertor tão úmido e frio
Da chuva que encolhera seus membros
Os passantes jamais o viram ali.

De tão atilado fora o coice levado
Não reclamou nunca a vida que (não) teve.
Porque não lhe pegou nas ancas, nem nuca
Mas no brio, na sola do orgulho próprio.
E disso, jamais se rezinga menino atinado
Porque admirável mesmo no homem é outra coisa:
É ser honradamente estúpido e aparvalhado.